Românticos - Vander Lee

Românticos são poucos
Românticos são loucos
Desvairados
Que querem ser o outro
Que pensam que o outro
É o paraíso...

Românticos são lindos
Românticos são limpos
E pirados
Que choram com baladas
Que amam sem vergonha
E sem juízo...

São tipos populares
Que vivem pelos bares
E mesmo certos
Vão pedir perdão
Que passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo
De outra desilusão...

Romântico
É uma espécie em extinção!
Romântico
É uma espécie em extinção!

Românticos são poucos
Românticos são loucos
Como eu!
Românticos são loucos
Românticos são poucos
Como eu! Como eu!
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''Quero mais.
Quero a paz!''

Consumo, logo existo


Ao visitar a admirável obra social do cantor Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc. A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima
de sua utilidade.

Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.

É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais - manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico. A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos "Manuscritos econômicos e filosóficos" (1844), ele constata que "o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós."

O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão.Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho
guardado na adega, uma jóia? Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em Cinderela. Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder.

Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela mas não é ela: bens, cifrões, cargos etc. Comércio deriva de "com mercê", com troca.

Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das relações de vizinhança, como ainda ocorre na feira.

Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser maior que a sedução" - diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem que a destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.

Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês, respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz".

FREI BETTO
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Aquele amor...

Ela pertence à espécie de mulheres que possuem um só amor em toda a sua vida. Ou amam de verdade apenas uma vez. Seria espécie de mulheres ou a maioria assim o é, mesmo sem o saber? Também há homens de eterno amor, embora o machismo e as deformações de sua cultura e comportamento nem sempre os convença de tal. Ou não convença a maioria. Ou será que o fato de serem colocadores de semente por determinismo biológico os leva a não prestar a devida atenção à sua destinação para o amor?

No meio da conversa ela diz, de repente, que só gostou de verdade de um homem e eis que vai buscar lá entre papéis amassados, daqueles que esturricam o couro das carteiras, não um mas três retratos dele, que espalha, qual cartas de baralho, sobre a mesa do restaurante. E fala dele com a mistura de ternura e tristeza que assaltam as mulheres que não lograram viver com o seu amor, casar-se com ele, ter seus filhos, viver em função dele e dela, unidos, pois esta é a verdadeira vontade e destinação da mulher: viver ao lado do verdadeiro amor.
Sim, elas vivem de modo proibido se necessário, casam-se com outro, têm filhos, os amam fundamente, mas a verdade de seu ser é a do amor verdadeiro, até porque mulher vive para amar e por amor, o resto se ajeita. Podem até deixar seu amor dormitar por anos e parecer serenado. Volta, porém a qualquer apelo ou menção do nome dele, encontro fortuito na rua com um conhecido dos tempos do namoro ou da relação.
Como são comoventes e lindas na sua integralidade bíblica as mulheres quando expressam para os demais ou para si mesmas, o amor de suas vidas ou quando consultam, escondido, os retratos guardados, recortes, flores secas, a memória úmida das restantes lembranças em momentos de silêncio e solidão!
Abençoados sejam, porque são, os homens e as mulheres que na passagem por esta vida receberam um dia de alguém, ou deram, um amor único, original e definitivo. Abençoados sejam e para todo o sempre. Como o amor que existe apesar de todas as ternas e dolorosas circunstâncias que não impedem a sua verdade mas em muitos casos esmagam a sua plena realização.

[Artur da Távola]

Pra ser sincero



Eu era tão feliz

E não sabia, amor
Fiz tudo que eu quis
Confesso a minha dor...

E era tão real
Que eu só fazia fantasia
E não fazia mal...

E agora é tanto amor
Me abrace como foi
Te adoro e você vem comigo
Aonde quer que eu vôe...

E o que passou, calou
E o que virá, que dirá
E só ao seu lado
Seu telhado
Me faz feliz de novo...

O tempo vai passar
E tudo vai entrar
No jeito certo
De nós dois...

As coisas são assim
E se será, que será
Pra ser sincero
Meu remédio é
Te amar, te amar...

Não pense, por favor
Que eu não sei dizer
Que é amor tudo
O que eu sinto
Longe de você...

uhmm...

E agora é tanto amor
Me abrace como foi
Te adoro e você vem comigo
Aonde quer que eu vôe...

E o que passou, calou
E o que virá, que dirá
E só ao seu lado
Seu telhado
Me faz feliz de novo...

O tempo vai passar
E tudo vai entrar
No jeito certo
De nós dois...

As coisas são assim
E se será, que será
Pra ser sincero
Meu remédio é
Te amar, te amar...

Não pense, por favor
Que eu não sei dizer
Que é amor tudo
O que eu sinto
Longe de você...


(Carlinhos Brown e Marisa Monte)

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A porta do lado


Em entrevista dada pelo médico Drauzio Varella, disse ele que a
gente tem um nível de exigência absurdo em relação à vida, que queremos
que absolutamente tudo dê certo, e que, às vezes, por aborrecimentos
mínimos, somos capazes de passar um dia inteiro de cara amarrada.

E aí ele deu um exemplo trivial, que acontece todo dia na vida da gente...

É quando um vizinho estaciona o carro muito encostado ao seu na
garagem (ou pode ser na vaga do estacionamento do shopping). Em vez de
simplesmente entrar pela outra porta, sair com o carro e tratar da sua
vida, você bufa, pragueja, esperneia e estraga o que resta do seu dia.

Eu acho que esta história de dois carros alinhados, impedindo a
abertura da porta do motorista, é um bom exemplo do que torna a vida de
algumas pessoas melhor, e de outras, pior.

Tem gente que tem a vida muito parecida com a de seus amigos,
mas não entende por que eles parecem ser tão mais felizes.

Será que nada dá errado pra eles? Dá aos montes. Só que, para
eles, entrar pela porta do lado, uma vez ou outra, não faz a menor
diferença.

O que não falta neste mundo é gente que se acha o último
biscoito do pacote. Que "audácia" contrariá-los! São aqueles que nunca
ouviram falar em saídas de emergência: fincam o pé, compram briga
e não deixam barato.

Alguém aí falou em complexo de perseguição? Justamente.
O mundo versus eles.

Eu entro muito pela outra porta, e às vezes saio por ela também.
É incômodo, tem um freio de mão no meio do caminho, mas é um problema
solúvel. E como esse, a maioria dos nossos problemões podem ser
resolvidos assim, rapidinho. Basta um telefonema, um e-mail, um pedido
de desculpas, um deixar barato.

Eu ando deixando de graça... Pra ser sincero, vinte e quatro
horas têm sido pouco prá tudo o que eu tenho que fazer, então não vou
perder ainda mais tempo ficando mal-humorado.

Se eu procurar, vou encontrar dezenas de situações irritantes e
gente idem; pilhas de pessoas que vão atrasar meu dia. Então eu uso a
"porta do lado" e vou tratar do que é importante de fato.

Eis a chave do mistério, a fórmula da felicidade, o elixir do
bom humor, a razão por que parece que tão pouca coisa na vida dos outros
dá errado."

Quando os desacertos da vida ameaçarem o seu bom humor, não
estrague o seu dia... Use a porta do lado e mantenha a sua harmonia.
Lembre-se, o humor é contagiante - para o bem e para o mal - portanto,
sorria, e contagie todos ao seu redor com a sua alegria.
A "Porta do lado" pode ser uma boa entrada ou uma boa saída... Experimente!


(Dráuzio Varella)

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Essas coisas que falam por aí




Sempre me senti diferente dos outros. Não mais bonita, não mais inteligente, não mais especial, não mais esperta, não mais maluca, não mais legal, apenas diferente. E mais sardenta. Sou diferente na forma de sentir, tudo que me toca, me toca fundo. Tudo que me alegra, me alegra muito. Tudo que me dói, dói forte, corta. Nunca tive muitos freios em matéria de sentimento. Sempre que eu quis ir, fui. Muito me estrepei. Sempre que quis falar, falei. Muito me ralei. Aprendi um pouco a calar, a tentar respirar fundo e pensar.

Me importo demais com as pessoas que amo. Quem eu gosto levo comigo no peito. Me preocupo, procuro ajudar no que posso (e, confesso, muitas vezes no que não posso também). Não sou uma ninja nem a Mulher Maravilha, sou apenas uma mulher que tem sentimentos intensos. E grandes. Não vale a pena sentir pequeno, se é pra ser, que seja com tudo que pode. Com tudo que existe, com todas as forças, com tudo que tem de bom e de ruim. Tenho lá meus extremos. Comigo é 8 ou 80, é ou não é, foi ou não foi. Não sou muito paciente e isso muitas vezes me traz transtornos. Mas procuro, acima de tudo, ser eu. E se errei, desculpa, mas eu consigo dizer. Tem gente que esconde. Nem sempre eu chego e falo "errei, foi mal, desculpa aí". Muitas vezes mostro de outras formas. Nem tudo precisa ser dito através de palavras, apesar de eu adorar tê-las por perto.

Às vezes, me sinto deslocada. Vou contar um segredo pra você: sou o tipo de mulher que não trai. Verdade, nunca traí. Acho a traição uma coisa tão suja e puta. A palavra por si só já é feia e tem som estranho. Não gosto, não cabe em mim. Traição não é o meu número, fica apertado. Juro, nunca traí nem em pensamento, nem virtualmente, nem nada. Nunca nem flertei, pisquei olho, joguei o cabelo ou tentei seduzir alguém com algum gesto. Se eu estou com alguém, estou com alguém. Acho que as pessoas precisam ter respeito. Cansou, não dá mais, o sentimento se perdeu, não tá mais a fim? Diz. Fala. Termina. Cai fora. E depois solta a franga. Antes, não.

Tenho pânico de traição. Já conversei sobre isso no divã, em mesa de bar e com minha cadela. Mulheres da minha família já foram traídas, já acompanhei de perto algumas histórias. Amigas minhas já foram traídas, já acompanhei de perto algumas histórias. E morro de medo. Sei que na vida nada é garantia de nada. Amanhã mesmo o cara que hoje é o amor da minha vida pode conhecer uma mulher e se apaixonar e me dar um pé na bunda. Mas se acontecer, por favor, converse comigo antes de fazer qualquer coisa. Prefiro assim, mesmo que eu sofra, que doa, que machuque. Não vou morrer, não. Por mais amor que se tenha, ninguém morre de amor. A gente se quebra todinha, mas sobrevive. Tudo dói, mas o tempo deve curar. Peço que tenha a decência de conversar, de respeitar o amor que teve um dia. Me dê um tchau antes de dar oi para alguém. Sei que o coração é imprevisível, pode balançar a qualquer momento, mas manda ele se aquietar só um pouco, me fala o que precisa e depois segue em frente. As coisas são simples. O amor não pode ser complicado. Se ele existe, existe. Se deixou de existir, tudo bem, dizem que nada é eterno. Ou que só é enquanto dura. Enquanto durar, que seja honesto e digno.

Sou o tipo de mulher que tem a foto do namorado no celular. A foto, não, as fotos. E na carteira também. E deixo bilhetes, faço surpresas, escrevo textos românticos e sonho casar num lugar bonito e ter uma filha bonita. O tempo fez com que eu entendesse que contos de fadas existem. Mas não aqueles dos livros. Existem os da vida real, que falham, chegam atrasados, mas chegam. Estão lá, sempre. Por isso, insisto: não admito gracinhas e frescuras. Riram da minha cara ao ver que eu tinha foto na carteira. Que coisa fora de moda. Oi? Amar é fora de moda? Você acha brega ter uma foto na carteira? Eu não acho. Você acha brega não olhar para o lado? Eu não acho. Desculpa, você pode estar me achando uma tapada. Às vezes eu sou mesmo. De vez em quando me sinto uma idiota, boba, trouxa, que acredita em tolices. Mas essa sou eu, idiota, boba, trouxa, que acredita em tolices e é diferente dos outros.

Não faço reunião para comentar sobre o colega gatinho. Não tenho tesão pelo cara que trabalha lá no lugar tal. Não sinto vontade de dar para outros caras. Nem de beijar. Nem de ficar de frescura. Não suporto gente que fica de abracinho, dando indireta, fazendo brincadeirinha com conotação sexual. Uma coisa é a brincadeira, outra é a brincadeira com um quê de verdade. A gente sabe e sente. Tem muito colega de trabalho que é carinhoso, querido e prestativo sem querer nada. Já outros querem tudo. Tem muita mulher que fica se esfregando, sentando no colo, abraçando, beijando, falando merda. Tenho certeza que se os namorados vissem tal comportamento não gostariam nadica de nada. Assim como tem muito homem que se passa com as mulheres, ficam dando letrinha, falando coisas que podem ser mal interpretadas, flertando, paquerando. Acho deselegante e desleal.

Tem gente, eu sei, que me acha meio extraterrestre. Alô, Clarissa, oi, olha o fulano, viu o fulano, já reparou na cor da cueca do fulano. E eu fico boiando, sem entender, porque não presto atenção. E não presto atenção porque realmente não me importa. Cada um tem o seu jeito, o meu é esse. Acho que muita gente fica flertando porque precisa se sentir desejada. Mas, francamente, não tem nada melhor que ser desejada pela pessoa que está ao seu lado. Fim.

(Clarissa Corrêa)

Partindo

já que estamos falando de viagens:

O apertar da buzina evidenciava a chegada. As janelas lotadas permaneciam atentas ao rápido movimento. Eram várias as pessoas que ali estavam. Todas apinhadas para aquele desfile mordaz. As motocicletas passavam cuspindo no chão, enquanto eu ficava a observar as tatuagens, os capacetes e os cabelos longos jogados para o vento. Um grito que ocupava a sala me mandava entrar. Eu tinha que sair de lá, fechar a janela. E deixar para trás o desejo por tudo aquilo que nunca seria conquistado. Mas as pernas não obedeciam.

Era sempre ao anoitecer. Antes da missa. Eu os esperava chegar com o vestido desajustado ao corpo. Sem curvas, sem sexo, sem nada. Embora folgado, me apertando a liberdade. Por vezes me achava imaginando o que pensariam eles se me encontrassem em tamanha incompatibilidade. Tinha vontade de abrir o armário, experimentar novas cores, encontrar o tamanho certo. Algumas vezes quase cheguei a fazê-lo, mas minha coragem cativa me amaciava. Eu continuava igual e eles nunca chegavam. Até um dia de indisposição.

Neste dia em questão, meus pais, o velho e a velha, se preparavam para alguma festa da paróquia. Eu fiquei na cama, enquanto encenava tonturas, espasmos, titubeações. Eles se voluntariaram a ficar comigo, mas eu teimei em que fossem. E eles foram.

Assim que o bairro todo saiu, sentei a soleira da porta, abraçada aos joelhos. Ao meu lado, a pequena mochila verde-musgo dividia a apreensão. Ali, em mim, vestidos não cabiam. Eu era corpo, era cor e cabelo amarrado. Pela primeira vez era mulher. Mulher como aquelas que se deixam arrastar pela estrada, que se entregam ao vento impetuoso. Que se perdem rápidas no fim da rua ao entardecer. Eu era coragem e decisão.

Aquela era uma das poucas vezes que os estrondos das motocicletas não tinham platéia a sua espera. Apenas eu. O sol começava a baixar. Amarrei os cadarços, coloquei a mochila nas costas e me levantei. Em minhas mãos suadas pelo nervosismo, estava meu passaporte para a liberdade. Ticket sem volta. As motocicletas se aproximavam cuspindo pelo chão.

(A/C Ferreira)